segunda-feira, 14 de março de 2011

Tragédia no Japão.


Acordei na sexta-feira (11/03/11) com o noticiário de que o Japão havia sofrido o maior terremoto de sua história, com as imagens das ondas gigantes e com o risco de um acidente nuclear. Alem disso, com um amargor no peito por um camarada que cresceu comigo e meus primos estar sendo enterrado naquela manha. Ele havia sido diagnosticado com câncer alguns poucos meses antes. Enfim, um daqueles dias terríveis com sabor de fel.
No decorrer do dia, usando o cotidiano como necessidade alienante, fui dar aulas na prefeitura sem perceber que a aflição me trouxera o disparate. Levei para meus alunos (que somavam 6 entre todos os alunos do Ensino Médio) o filme Sonhos do diretor Akira Kurosawa. Filme lento, dramático, mas que refletia parte daquele momento meu e de certa forma do mundo (ou versa-vice).
Em um dos sonhos Kurosawa mostra parte dos medos dos japoneses de algumas gerações atrás: o receio de um acidente nuclear. Sem contar que ele vivenciava suas feridas históricas ainda abertas, a história trágica do final da segunda guerra e suas conseqüências. No entanto, tenho a leve impressão de que a história foi sendo esquecida e hoje em dia pouco se lembrava de seu passado, e o que se lembrava era tratado com a mais cruel e necessária frigidez. Digo isso com base em nossa própria história que com alegria parece estar sendo esquecida por bundas “rebolantes” com a trilha sonora inicial do axé, na boquinha da garrafa, e finalizando ao som de funk (novamente romantizo o fim, mesmo imaginando que se trata do meio).
De modo breve, a história da modernização do Japão foi a de que no final do século XIX e início do XX seu modo de vida feudal, romanceado nas figuras do Samurai, passa a ter fim na Era Meiji – Iniciasse o moderno, não como período, mas como estilo de vida permeado pelo mundo das mercadorias e acordado com os países internacionais já capitalistas de corpo e alma –. Com a morte de Meiji em 1912, o país já estava em um caminho aparentemente sem volta. Entra em guerras com a China e outras nações buscando efetivar o seu sistema capitalista, por exemplo, extraindo parte das matérias primas necessárias para a suas indústrias, da região chinesa da Manchuria. Neste contexto de expansionismo, o Japão possuía um campo fértil para o discurso fascista, e assim foi com o imperador Hiroito. Na seqüência entra na segunda-guerra mundial, findada com o ataque dos EUA que soltaram 2  bombas atômicas, sobre Hiroshima e Nagazaki. Após esta guerra o Japão é ocupado pelos EUA e forçado a uma governança pró-estadunidenses, neste contexto e ao passar dos anos as figuras lendárias dos Samurais se tornam tão estranhas aos novos japoneses como a nós do ocidente.
Ao longo desta primeira metade do século XX, algumas tentativas de resgate da honra dos samurais ocorreram, é o caso da junshi (suicídio após a morte da liderança, como demonstração de fidelidade) do general e da esposa do Imperador Meiji, e também com os tão comentados kamikazes. Foi com esta mentalidade que o Japão buscou se recuperar da guerra mundial em que participou. Sacrifícios, orgulho e identidade talvez sejam as qualidades que foram necessárias para a produção toyotista, ou modo de produção flexível, que representam esse momento pós-guerra. O amalgama estava formado na segunda metade do século XX. Honra (de outrora) + Capital (de agora) = honra ao capital. Trágico.
Os sacrifícios parecem ter surtido efeito. Uma sociedade onde os mal sucedidos se matam, uma espécie de Darwinismo escroto; uma alegria comunicada via celular e adquirida na compra destes telefones e outros bagulhos tecnológicos, e; um país rico. Exagero um pouco neste parágrafo, isso porque ignoro parte dos jovens que se rebelam contra toda esta lógica, ilógica. Mas o que quero dizer é que a história foi distorcida, quando não esquecida. O medo de alguma merda nuclear, parece ter ficado no passado, e de um tsuname barrado nos paredões metálicos de alta tecnologia frente ao mar.
Fazendo um paralelo com um dos sonhos de Kurosawa, podemos observar que no filme a população se joga ao mar em um ato de escolha entre a morte lenta e sofrida causada pela radiação, e a rápida causada pela queda ao mar. Mas desta vez a realidade se fez mais dramática e com autoridade despótica não deixou escolha. O mar foi ao encontro das pessoas que sem escolha já não estão vivendo a falta de pão e o medo de uma catástrofe ainda maior.

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